Reportagem sobre o grupo Alcoólicos Anônimos publicada no jornal Mogi News em 30 de março de 2008.
Cidade| Superação
Alcoólatras encontram saída
Grupos dos Alcoólicos Anônimos em Mogi das Cruzes auxiliam dependentes da bebida a abandonar o vício
Ludmila Santos
Da reportagem local
Roberto (os nomes desta reportagem são fictícios) não sabe dizer por que começou a beber, mas lembra-se muito bem do momento em que se deu conta de que era alcoólatra. Foi quando sentiu uma vontade incontrolável de tomar cachaça, após a derrota do Brasil em um amistoso contra a seleção da Itália há mais de 20 anos. “Foi preciso uma situação tão boba para perceber a bobagem que estava fazendo na minha vida”.
Na época, sua mulher já estava desiludida com a situação e sua família e amigos sem esperanças de que um dia ele tomasse consciência sobre sua doença e fosse buscar ajuda.
Antes de procurar o grupo Alcoólicos Anônimos (AA), Roberto foi internado em diversos sanatórios. “A bebida me consumiu tanto que mesmo quando estava sóbrio, ainda me sentia naquela letargia. Não queria ficar como um zumbi”.
Convites
Os convites para freqüentar o AA nunca foram levados a sério. Tinha a “arrogância” própria dos alcoólicos. Acreditava que beber ou não dependia só de sua vontade. Mas ao ingressar no grupo, descobriu que sua história se repetia em muitos lares do País. “Descreveram a bebedeira, como começava, porque a gente começa a beber sem saber por que começou e não consegue parar”.
Sua identificação com o grupo que conheceu em Mogi das Cruzes, o Hei de Vencer, foi completa e imediata. A obsessão pelo álcool e a ansiedade foram desaparecendo aos poucos e, desde então, nunca mais botou um gole de bebida na boca. “Mas é só por hoje. Só por hoje se evita o primeiro gole, porque só assim se evitará os demais”.
Reuniões
Ao chegar ao AA, Roberto foi recepcionado por companheiros que abandonaram a bebida há algum tempo. As reuniões são lideradas por um coordenador diferente a cada dia e começam com uma prece encontrada em necrotério dos Estados Unidos: “Deus me dê a serenidade de aceitar o que não posso mudar, coragem para mudar o que pode ser mudado e sabedoria para perceber a diferença”.
Os veteranos expõem suas histórias de vida, muito semelhantes às dos recém-chegados, provocando neles identificação profunda. Mogi das Cruzes possui cinco grupos: o Hei de Vencer e o Irene, no centro; o grupo do Jardim Universo; o grupo de Taiaçupeba e o grupo Unidos para Vencer, em César de Souza.
Nas reuniões, que variam durante a semana conforme o grupo, o drama relatado é o mesmo, só mudam os atores. Depois do primeiro gole, vem o momento de satisfação e euforia, que mais tarde se transforma em dependência, perda da credibilidade, da razão, da moral, da vontade de viver.
“Infelizmente o alcoolismo é uma doença progressiva e de difícil controle”, contou André, um alcoólico em recuperação, que freqüenta o grupo Hei de Vencer.
Nas reuniões, Roberto conheceu a história de Vinícius, às voltas com o pai internado e a vontade de beber por não conseguir ajudá-lo; soube dos dramas de Flávio, que muitas vezes se viu no lugar das pessoas que apontava na rua, “apagado” debaixo de bancos de praça; sofreu as humilhações pelas quais passou Pedro que, apesar do sofrimento, conta sua história com um sorriso no rosto.
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), o alcoolismo é uma doença progressiva e sem cura, isso porque os alcóolatras sempre estarão pre-dispostos à bebida, porém existe tratamento.
Os membros dos Alcoólicos Anônimos (AA) também fazem questão de lembrar estas verdades. Estima-se que há 20 milhões de alcoólatras no Brasil e apenas 6 milhões pedem ajuda. Destes, 2 milhões aderem ao tratamento sem recaídas.
“É muito difícil não ter uma recaída, pois você só pensa na bebida. Hoje, o que me mantém sóbrio são os encontros no AA. Recuperei minha saúde física, mental, espiritual e emocional”, diz André, que freqüenta o grupo Hei de Vencer desde 2003.
Como a maioria dos membros, ele custou a ingressar nas reuniões e só começou a participar quando passou por uma situação inusitada. “Acordei durante a noite e andei nu pela casa, na frente das minhas filhas, para ir ao banheiro. Só soube disso depois que a minha mulher me contou”.
Mesmo que haja recaídas, as portas do AA estarão sempre abertas e os membros acolherão o dependente que retorna sem críticas nem censuras. (L.S.)
“Foi com certo receio que subi as escadas que levam até a sala do grupo Hei de Vencer, o mais antigo entre os Alcoólicos Anônimos (AA) em Mogi das Cruzes, no início da semana passada. Não havia avisado que pretendia participar de uma reunião, afinal, os grupos não têm telefone.
Não estava pensando no comportamento das pessoas ou nas histórias em si, mas sim se seria encarada como “penetra” ou uma invasora que veio apenas explorar a desgraça alheia.
Mas ao chegar à sala fui recebida por um senhor que tem o mesmo nome de meu pai e a mesma serenidade de um professor que me deu aula na faculdade. Quando soube que era jornalista e que não fui contar minha história, mas ouvir a de cada um dos membros do grupo, ele abriu um sorriso: “Nós adoramos receber visitas”.
Nunca parei para pensar sobre os grupos do AA, por isso, acredito que tenha sido mais fácil participar da reunião desprendida dos preconceitos que cercam o tema alcoolismo.
Tive contato com dois alcoólicos na minha infância, um avô e um tio que já morreram, mas nunca os vi como pintam os preconceituosos: pessoas amarguradas, taxadas de vagabundas por buscarem no álcool um tipo distorcido de conforto.
Não esperava nada deles, mas recebi um voto de confiança, algo difícil de se conquistar hoje em dia. Naquela segunda-feira, apenas oito homens compareceram à reunião, com idade entre 30 e 60 anos, e nenhum deles teve o receio que eu teria de contar sobre sua vida a uma pessoa que eles nunca viram.
No começo, todos estavam muito calados, um pouco envergonhados até com a minha presença. Mas depois, senti certa ansiedade neles em querer falar, em expor parte de sua história.
Muitas são as semelhanças entre os membros do grupo: os problemas de relacionamento na família, com os amigos, no trabalho, os “apagamentos”, as dificuldades em aceitar a doença. Mas cada um deles encara sua recuperação de forma singular e as experiências vividas e expostas completam a outra.
Os membros do AA são protegidos pelo mais absoluto anonimato. Como forma de me avisar sobre isso, o coordenador do grupo leu, entre um depoimento e outro, a décima segunda tradição do AA: “O anonimato é o alicerce espiritual das nossas tradições, lembrando-nos sempre da necessidade de colocar os princípios acima das personalidades”.
Dei-me conta de que a identidade dos membros é preservada não por vergonha ou desonra, mas porque, para eles, não interessa como você é, sua identidade ou o que faz, mas sim o que você pensa, o que você sente.” (Ludmila Santos)